O blog

À princípio, este blog destinava-se para o registro de ideias, textos sobre montanhas. Porém, aquele que visita as montanhas, leva seu mundo particular, suas vivências, histórias para o interior das matas. E a Natureza o recebe gratuita e generosamente. Deste encontro, então, entre a Natureza e o ser humano, surgem reflexões e ensinamentos que invadem a vida na cidade. As montanhas, de algum modo, sempre nos surpreendem, sempre nos fascínam, sempre nos sensibilizam. Desse encontro, reflexões, ensinamentos e sensibilidade manifestam-se mesmo quando estou em meio à cultura urbana. Aqui estão algumas "piras" minhas, suas, nossas...


segunda-feira, 28 de junho de 2010

No Caminho com Maiakóvski

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei, porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado, no plantio.
Mas ao tempo da colheita lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

Por Eduardo Alves da Costa.
Niterói, RJ - 1936


Foto: o poeta, Eduardo Alves da Costa.

O novo dia é sempre o mesmo dia.




(...)

Vou deixar que a madrugada venha até mim, vou colher os frutos da madruga em meu corpo. Quero amanhecer com o novo dia que, em mim, nascerá com o sempre mesmo Sol. O novo-sempre-o-mesmo dia. Penso agora, que não será novo o dia que está por vir. Será o mesmo dia. Ao mesmo tempo será um dia novo, pois não é sempre que me dou a oportunidade de nascer com ele. Sempre questionei a necessidade de dormir. Será que é tão difícil perceber que o dia é sempre o mesmo? Pois se não dormíssemos não haveria os dias, nem as semanas, nem meses, nem anos, nem aniversário faríamos. Nasceríamos e pronto! O tempo seria único, a vida não seria fragmentada. Podemos dizer que ganharíamos a eternidade, pois a eternidade não tem tempo. O tempo não é quantificável. É qualificável. A vida não seria uma linha passível de repartições. O novo-sempre-o-mesmo: pode ser tudo aquilo que mantém a sua essência, mas está sempre se repetindo.

(...)




Por Contita.

Sensibilidades


Escrevo-te como a vontade que o corpo às vezes sente de ficar nu. Sim, nu. Iluminado, sem as sombras das vestes. Escrever-te e assim, dividir contigo minhas palavras. É como ficar nua à tua frente, sem desejo, sem alterar a respiração, sem alterar o ritmo do coração. Somente ficar nua e compartilhar contigo minhas palavras. Entretanto, tenho receio de que não dê a devida atenção a essas palavras que se mostram tão sinceras, claras, sem pudor. Em que momento da vida você se encontra? Sem saber ainda assim te escrevo, pois o que te escrevo tem a necessidade do teu olhar e, ao mesmo tempo, dele tem medo. Medo de não ser olhado e, se olhado, seja somente visto sem ser reparado. E, apesar dessa necessidade que sinto quando escrevo, o que escrevo não tem você como destino único. O que venho escrevendo é para o mundo. São palavras postas no universo que talvez não tenham a pretensão de tornarem-se públicas. Escrevo porque simplesmente as palavras vêm, surgem e, por isso, as materializo.

Contudo, nesse mundo que vai assim... você, hoje, é a única pessoa com as sensibilidades de que preciso. Você consegue se imaginar no mundo com vários tipos de sensibilidades em um mesmo corpo? Conforme o que se vive a nossa sensibilidade torna-se mais fina ou mais bruta. Afinada ou embrutecida. Às vezes, ela se parece com a couraça de um elefante que nem sente os pardais bicarem, a lhe comer seus carrapatos. Em outros momentos, ela é a tua pele, humana, como tocar pêssegos. E é dessas sensibilidades tuas de que eu preciso, pois conforme o seu estado, conforme teu estar, a leitura será bastante diversa.

O que escrevo está inscrito em nosso corpo. E é na nudez que devemos ser transcritos. Nas águas claras se mata a sede e dela retiro o que nutre. Quanto mais se bebe, maior a sede. Num mesmo corpo, há calma e aflição. Num mesmo olhar, a mesma solidão.


Dezembro de 2007.
À quem pertencer.
Imagem: "Nu de Dos" (Blue Nude) de Pablo Picasso.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Gratuidade


Domingo, no centro da cidade.
Eu na calçada e ele na rua.
Seu nome? Desnecessário.
De onde vinha? Para onde iria?
Dispenso saber.
Disse-me, e somente disse, ‘oi, tudo bem?’.
E sorriu para mim. E eu para ele.
Um sorriso pleno naquele rosto,
Um sorriso claro e brilhante.
Eu sobre minhas pernas e ele sobre a bicicleta,
continuamos nosso percurso.
Um gesto tão simples assim,
apesar do gélido frio dessa cidade.



Escrito em 06/6/2010.
Foto: Corbis (http://www.corbisimages.com/)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Para além da "croniquinha, croniqueta"


(...)

Nessa madrugada úmida do sábado do feriado de Corpus Cristis, é a tua “croniquinha, croniqueta” que me causa uma sensação que vem, especificamente, do estômago. Sabe o chamado “bolo na barriga”? É claro que as sensações não vem da barriga, mas se elas vem junto com as lembranças, em que lugar ou nãolugar da minha história as reencontro? E de onde vem o prazer, ao recordar os detalhes das coisas vividas?

(...)

Foi no início da tarde, porque a luz do sol preenchia completamente o espaço da sala, confortavelmente. E além dos livros, naquele dia havia um aparelho de som em cima da sua mesa. Eu não lembro bem exatamente as palavras, mas ele disse que deveríamos primeiramente ouvir a música, acompanhando a letra pelo nosso livro e que abaixo dela seguiam umas questões para responder.

Eu tinha minha cabeça baixa sobre o livro e seguia os versos com meus olhos e ouvidos concentrados na sina daquele operário, naquela melodia crescente. O som estava bastante alto. Só eu sei o impacto que me causou aquela música quando, de repente, o que me parecem ser trompas, trombones, trombetas, tambores trouxeram o trágico fim do operário, como se estivessem a gargalhar de sua condição, carregando meu peito de ansiedade e angústia.

E eu que ainda nem sabia daquele músico, nem de sua importância para a música e poesia brasileiras... E veio então o jovem de óculos e chapeuzinho nos apresentar essa música, numa calma que hoje, ao relembrar, me causa incômodo. Como pode aquela serenidade ao nos colocar olhos e ouvidos frente a tal música?! Sem palavras honrosas ao poeta, sua aparente neutralidade diante daquele momento me permitiu ter o prazer de descobrir, com meus próprios olhos e ouvidos, em anos seguintes, o restante da obra do poeta.

Não sabia eu, naquele dia, que levaria o poeta ao longo da minha vida, que eu o reviveria sempre. Será que, naquela aula, o jovem de óculos e chapeuzinho possuía a real dimensão do alcance daquele momento, no tempo e no espaço de nossas histórias de vida, ao nelas inserir aquela poesia? Ou ele, provavelmente, imaginava ser aquela mais uma das nossas aulas sobre a literatura brasileira em que alguns poucos dedicavam a atenção merecida?

O seu olhar nos penetrava (o dele ou do poeta?). Sempre com a mesma calma da outra vez, ele conseguiu prender-me ao mundo que nos apresentava. Ele inspirou o cordão que me vincularia a cada um dos escritores lidos e aos que eu ainda conheceria. Cecília, Clarice, Machado, Aluízio, Augusto dos Anjos, Saramago, Camões, Jorge Amado, tornaram-se parte, não só das minhas lembranças, como da minha constituição enquanto ser sensível à arte de manusear as palavras. Porque foi como se usasse suas mãos quando, numa tarde, ele falou de Vinicius aos nossos ouvidos. Escreveu no ar as palavras.

O jovem de óculos e chapeuzinho inscreveu suas palavras, seus gestos e o som da sua voz na minha lembrança, residentes em algum lugar do que sou hoje. Abriu uma porta da minha vida para a literatura. Hoje tenho amor aos livros, ao sublime ato da leitura. As minhas lembranças portam tua luz e sombra que hoje me parecem eternizadas.


Escrito em: 05/06/2010
Foto: desconhecido.

domingo, 6 de junho de 2010

Saudade do Marumbi


Quando fico longe de ti, ó Marumbi,
Meu peito se enche de saudade,
Só perto de ti,
Me sinto ser humano de verdade.

O pensamento me leva para perto de ti, ó Marumbi,
tuas trilhas, teu verde e beleza,
de paz enchem meu peito.
Que imensa tua grandeza!

Enquanto aqui estou, Marumbi,
imagino a copa das tuas árvores...
Maritacas, tucanos e saíras,
são sempre mais que as sete cores,
sou sempre mais em teus ares...

Quando uma janela se abre,
por entre as nuvens
descortina-se uma imensidão.
relembrando minha ilusão.

E assim sacio minha vontade
de sentir-me em ti, ó Marumbi,
Pelo arrepio que tu me provocas,
Declaro essa saudade, Marumbi.

Escrito em: 30/06/2010
Foto: Camila Armas (uma das vistas da trilha noroeste do Parque Estadual do Marumbi)

A distância.


Sou um ser vivo.
Sou um ser vivo externo.
O que é interno em mim está lá.
O que há em mim e que está lá, sempre se modifica.
E tem um tempo de estar e logo de ser.
Meu ser externo tem sempre que se expandir,
Exalar, exprimir, expressar.

Quanto maior a distância
daquilo que me constitui,
mais eu compreendo
minha constituição, minha substância.

A distância possui três faces.
Cresce horizontal e territorialmente no espaço.
Cresce temporalmente.
Meu pensamento compreende
Que a distância cresce no tempoespaço.
O que me separa daquilo que me constitui
é o espaço a percorrer e o tempo a transpor.

Contudo, o tempo possui uma barreira. Imaterial.
A barreira do tempo é a velocidade. Constante.
O tempo é sempre o mesmo em sua caminhada.
Nós é que mudamos.

Constante é a necessidade absoluta de romper minha margem.
Só na montanha posso romper essa delimitação.
Meu corpo ganha a extensão
do tempoespaço.
Se expande, exala, exprime e expressa,
até onde não posso ver, ouvir ou sentir
no tempo e no espaço.

Escrito em: 06/06/2010
Foto: Camila Armas (túnel abaixo do Rio Paraná, Santa Fé - Argentina)

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